Art. 225 da Constituição brasileira de 1988

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações"

24.6.13

Sobre maquiagem e cotidiano: Reflexos do homem cordial brasileiro

Gostaria de me dar ao luxo de, em tempos de turbulência política, sair um pouco dessa esfera e refletir sobre algo que está posto, mas para o qual não estamos necessariamente atentos, diante de tantos acontecimentos e discussões levantadas a respeito das manifestações que ocorreram nos últimos dias. Há um antagonismo que me intriga no fato de buscarmos cada vez mais a heterogeneidade e a diversidade, mas em momentos de colocarmos isso em prática, nos apegarmos aos velhos preconceitos/moldes/entendimentos/tradições. Isso não é apenas sobre a discussão de permitir ou não permitir bandeiras partidárias em protestos de uma maioria sem partidos. Isso é também sobre aceitar que seu colega de trabalho pense diferente de você, que você, como chefe de uma empresa, se permita contratar alguém diferente de você, que na sua igreja não seja pecado aceitar o diferente ou que sua família possa aceitar sua orientação sexual. Isso para citar alguns exemplos. As cenas que vivemos ontem são muito graves. Linchamento e espancamento de pessoas que, dentro do seu direito, queriam ir às ruas mostrando que algo as representa, sim. Que há, para elas, um partido cuja camisa ela veste. Também é a luta de muitos movimentos sociais que buscam descriminalizar certas práticas e buscam ampliar a consciência da maioria para o caminho da tolerância. A intolerância que presenciamos ontem, na verdade, não é algo que me surpreenda. Evidentemente que em momentos de tensão, ou caos, ou festa, as regras de conduta social são esquecidas, deixando transparecer o lado mais escondido de alguns, aquele lado que, durante o dia, no trabalho ou jantando com a família, não pode ser compartilhado. Esse é o lado que faz as pessoas atravessarem a rua para uma pessoa que lá dorme e cujo discurso é extremamente inclusivo e pró-direitos humanos. Essa hipocrisia está presente em todos nós. Nesse sentido, e para não cair em uma análise no campo da psicologia, que não me cabe, trabalhamos para manter as aparências de uma conduta social aceitável, uma que respeite um comportamento socialmente aceitável e que esteja alinhado à moral vigente, em cada contexto cultural. Bem, entendo que no Brasil, seguindo a análise de Sérgio Buarque de Holanda, há uma tendência cultural ao cordialismo, ou àquela conduta social que evite conflitos e promova um equilíbrio social pela aceitação das diferenças. Há quem se apegue a esta idéia, partindo do contexto de formação da sociedade brasileira – miscigenada e heterogênea – para dizer, por exemplo, que o racismo no país está superado. Porém, acreditar nisso é fechar os olhos para os conflitos e as violências (não apenas físicas) que acontecem no cotidiano de nossa sociedade. Violência contra os negros, contra as mulheres, contra os homossexuais, contra os idosos, contra os pobres, contra os gordos, contra os introspectivos, contra os partidários, enfim, contra o outro, o diferente. Esse grau de intolerância não é um fato social pontual desse momento histórico e por isso, reflito sobre chamarmos essas pessoas intolerantes de fascistas. Estamos colocando esse estigma por mera forma cartesiana de classificar seus atos diante de um arquétipo conhecido, de um inimigo já nomeado historicamente, cujas atitudes se assemelham. Mas e o fascismo exercido diariamente contra todos os outros grupos e para o qual não nos atentamos, ou não nos manifestamos publicamente (mesmo tendo o entendimento de que só quando uma sociedade se manifesta contra uma ação fascista é que ela é passível de não acontecer, evitando, por exemplo, um genocídio)? Lembro do caso do rodeio de gordas, realizado por alguns formandos de medicina e que escandalizou a população (a parcela que não estava rindo) há algum tempo. Ainda ocorre? Eu não sei, mas sinceramente, deixei cair no esquecimento. Como todos nós. Diante da necessidade de apresentarmos sempre o brasileiro cordial ao mundo, alguns conflitos ficaram ocultos e são esses conflitos que também estão presentes nas ruas, ao lado das reivindicações políticas. Afinal, dividir a rua com o outro não é fácil, ainda mais se o outro defender algo que você não respeita (como um partido). As conquistas aparentes pelo direito das minorias não se caracterizam, necessariamente, como conquistas reais, na medida em que a imposição legal não reflete o sentimento verdadeiro da maioria. É um ganho necessário, mas que não elimina outro trabalho árduo que diz respeito às coisas do cotidiano, onde se dá a convivência diária. A ampliação da consciência, o despertar da alienação, o entendimento do outro como ser de direitos (mesmo que ele já os tenha), para que eu possa respeitá-lo, para que eu possa compreendê-lo e não precisar mais tolerá-lo apenas, mas possa conviver e compartilhar com ele. Compartilhar ideias, compartilhar amigos, compartilhar a religião, compartilhar o espaço público (afinal, cada vez vivemos mais próximos uns dos outros com a crescente população mundial – o espaço é o mesmo). E qual seria a maneira mais eficaz de implantar esse germe? Talvez deixando que lutem até a morte. Ou talvez colocando-os para conversarem. Ou talvez através da educação. Os mecanismos são conhecidos, os métodos são variados. Dito isso, tal qual uma mulher que se produz, se pinta, se veste, mas no momento do despertar se olha no espelho de cara limpa, com a cara que tem, com o corpo que tem e vê sua essência nua, é que se dá esse momento de despertar. Não do gigante, como gritam uns, mas do homem cordial brasileiro. Ele desperta, vê no espelho sua verdadeira face (como faz, de tempos em tempos, a cada despertar), mas logo se pinta novamente, para esconder as rugas e as manchas desta. O problema, é que a verdadeira face do homem cordial é a intolerância. Que mesmo que grite pela diversidade, corre contra o tempo para passar o blush e pintar os olhos, pois não quer ser vista como outra coisa senão a face do homem cordial. Luciana Sonck

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